A Importância de se Respeitar o Fim

julho 10, 2019


Há uma história que adoro contar – devidamente roubada do filme Agonia e Êxtase – em que Michelângelo, estando ao lado de um imenso bloco de mármore, ao encontrar o Papa Júlio II, apontou para a rocha e falou empolgado para o pontífice “Vê, meu senhor, seu Moisés já está aí dentro, basta que eu o liberte” [uma linha devidamente adaptada, mas que espero que ainda contenha o poder do texto original]. Acho esse trecho em especial muito rico, principalmente na enorme quantidade de interpretações que ele pode nos conceder. Irei, hoje, me fixar em uma.

Toda vez que penso no ato de Michelângelo em “ver” o Moisés dentro do mármore, imagino que ele queria dizer que já via o “fim” de seu trabalho, não no sentido de que ele sabia quando ou como iria acabar, mas que este certamente se finalizaria, pois todas as “correntes” seriam, enfim, retiradas quando sua nobre e humilde função se completasse. Para os curiosos, a obra teve seu último grilhão libertado em 1545 – há uma incerteza sobre seu início (se em 1513 ou 1515), mas tomou cerca de 30 anos de seu autor.

A percepção de Michelângelo evidencia uma faceta muitas vezes negada de sua genialidade: a capacidade de se dar fim às coisas. Qualquer processo, artístico, profissional, pessoal, merece um ocaso. Em algum momento de nossa História, entre o instante em que o tempo começou a ser medido e nosso presente, a inevitabilidade do fim mudou nossa percepção acerca “do que podemos fazer com o tempo que temos” para “não temos tempo o suficiente para fazê-lo”.

Mas a arte não tem pressa, apesar de reconhecer seu próprio poente. Cada obra possui seu lapidar calmo e processual, segue uma integridade tomada pela paciência, num ato mágico em sua conclusão, mas convencional per se: ao artista, o júbilo persiste mais no fazer do que no ver feito. No entanto, se a obra toma mais tempo que o movimento necessário entre os amantes do ato artístico, o que deveria ser uma aprazível caminhada se revela um fatídico tour de force, em que corpo e mente são testados a limites desagradáveis e em que o carinho do processo dá lugar à ansiedade de uma completude impossível, em um cambaleante movimento do artista de encontrar mais um detalhe que precisa ser corrigido, mais uma aresta a receber o toque da lixa, mais um ajuste que fugiu a seu olhar acurado e, com isso, o senso de que não se tem mais tempo (ou mais vida), de que aquele ciclo do eterno fazer devorou todos os outros.

Temos problemas em aceitar fins: de nossas obras, de nossas vidas, de nossos confortos. Mas o universo em que estamos funciona em ciclos de finitudes: algo finda para outro algo tomar seu lugar, baseando este novo começo nas experiências do que acabou, “na vida vivida” se assim preferirem. Dessa forma, é importante sim aceitar esses arremates como parte de um processo maior e significativo, mas é extremamente acolhedor entender o findar como algo pessoal, como a compreensão de que uma etapa de seu próprio âmago despede-se para dar lugar a algo novo e, com alguma positividade, melhor do que era antes.

Por isso, respeitemos nossos tempos, entendamos nossos passos, reconheçamos nossos fins. Pois até as estrelas, um dia, deixam de brilhar, aceitando suas “breves” vidas com tanta alegria, que a beleza de seus crepúsculos nos marcarão eternamente.

Texto de Luís Carlos Sousa.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

A Grandiosidade das Coisas Simples

julho 03, 2019


Quando eu ensinava roteiro de histórias em quadrinhos no Estúdio Daniel Brandão – há uns 3 anos mais ou menos – semestralmente apareciam alunos empolgados por HQs de grande alcance midiático e autores e obras laureadas por críticos, como Watchmen, O Cavaleiro das Trevas ou Sandman. As pretensões desses alunos costumavam não ser pequenas: eles queriam ser os autores de imortalizadas megassagas em que passado presente e futuro são uma coisa só, em que a sociedade e a individualidade do ser humano são desconstruídos, em que a narrativa do elemento “página” é reprogramada para alcançar patamares nunca antes pensados, levando a mídia a pontos inesperados… entre outros tantos desejos reais de qualquer jovem autor fortemente envolvido com HQs e que tem descoberto o oceano de possibilidades da linguagem.

Na contramão de tudo isso, no entanto, um dos primeiros conselhos que eu dava a esses alunos é: pense na pessoa mais simples da sua vida, agora conte sua história de forma que essa pessoa entenda e se emocione – lição que aprendi com Daniel e que sentia que fazia parte da filosofia do Estúdio. Mas, falar algo assim para um jovem autor com sonhos de genialidades soa como uma morte da criatividade ou uma censura da originalidade. Parece ordinário demais contar histórias de pessoas ordinárias? Acredito que não, além de ser um importante passo para qualquer um que deseje trabalhar contando histórias.

Os fãs das grandes sagas de fantasia ou das grandiosas óperas espaciais por vezes esquecem o que é mais importante dentro desses universos extraordinários: o elemento humano. Maior que as tramas políticas entre Império e Rebeldes é a história do traumatizado menino que se torna o assustador (e popular) vilão Darth Vader da série Star Wars. Não foram as grandes guerras banhadas em efeitos especiais que emocionaram os espectadores de O Senhor dos Anéis, mas o fato do maior dos reis daquele mundo ter se ajoelhado em frente ao pequenino herói de seu povo, Frodo, reconhecendo a grandiosidade de sua coragem e humildade de seu espírito, enquanto tudo o que este queria era voltar para casa.

A inspiração das grandes histórias podem estar em outras, mas acredito que a real matéria-prima para um narrador são aqueles que estão à altura de seu olhar: familiares, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, transeuntes etc. Gente de sentimentos e sensações verdadeiras, cuja forma de ser comunica-se com outros seres humanos, revelando, através das metáforas das histórias, seus medos, angústias, alegrias, desejos e sensações.

Com isso não quero dizer que as grandes, experimentais e maravilhosas megassagas devem ser deixadas de lado. Pelo contrário. Como fã e produtor, reconheço a importância de brincar com o incomum, o inalcançável ou o impossível. Quanto mais nos afastamos de nossa realidade palpável e dura, mais teremos liberdade em lidar com questões gerais, pertinentes ao maior número de pessoas possíveis. Fora o simples fato de ser divertido lidar com os mitos aparentemente inexistentes.

No entanto, tenho em mente que as histórias mais intimistas são as que melhor ressoam nos leitores, pois de alguma maneira falam de forma direta a seus corações, dando a eles uma voz que a falta de palavras às vezes eclipsa e faz com que eles voltem seus olhares a si mesmos… sendo essa uma importante função das histórias.

Texto de Luís Carlos Sousa.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

E se só existisse o hoje?

novembro 14, 2018


E se só existisse o hoje? Por mais apocalíptica que pareça a pergunta, na verdade, ela traz algumas pequenas coisas a se pensar.

Há um certo ponto de nossas jornadas como artistas que pensamos bastante nas oportunidades que perdemos, nas falhas que cometemos, nos passos que não demos, no tempo que não aproveitamos. Quase no mesmo instante, olhamos para o incerto futuro e nos questionamos se tudo que ainda vai vir será suficiente ou mesmo se estamos preparados – ou se somos dignos de tudo o que o desconhecido amanhã tem para nós.

Quanta coisa, não? Agora, uma sugestão: pare por um momento. Olhe a sua volta. Veja tudo o que você tem hoje. Aproveite as capacidades que você possui agora e use-as. O passado não está mais com você, ele te forjou como pode, mas é preciso deixar ele ir. Abandone-o sem culpa, sendo grata por tudo o que ele te ensinou. O futuro, por sua vez, é só uma variável, uma ideia, uma expectativa. Se nos concentrarmos muito nele, nos frustraremos perdendo horas construindo castelos de areia.

Então, abrace seu hoje. Ele é seu verdadeiro tempo. Ele é a conclusão de sua própria caminhada e o início de sua jornada. Não há melhor lugar para se estar.

Texto de Luís Carlos Sousa

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Carreira, Prazer e Estudo

novembro 07, 2018


Como continuar amando nossa arte e produção quando ela se torna um trabalho, o qual envolve todas as dificuldades que a nova natureza da função exige, como prazo, diminuição da liberdade criativa, limitação de materiais etc?

Trabalhar com arte pode ser interpretado como o equilíbrio de três visões: Carreira, Prazer e Estudo.

Quando se pensa em arte como carreira é preciso ter a consciência profissional do ofício e, para tal, além de maturidade, é importante manter certa disciplina: controle de seus horários, demonstrar uma postura cordial e respeitosa, mas também firme e objetiva, deixando claro o que você pode ou não fazer, dentro dos limites que seu corpo e envolvimento podem disponibilizar. Seguir esses direcionamentos contribuem para não se exceder no trabalho, acumulando menos ou mais funções que podem levar a frustração ou esgotamento, e ajudam na construção de uma carreira sólida.

Quando a arte é associada a seu prazer – e, sim, é importante dedicar um tempo a isso também – você se coloca num processo de busca do equilíbrio consigo mesmo, dando a chance a si de relembrar porque a arte te seduziu desde o primeiro momento, porque você decidiu adotá-la como uma linguagem que liga suas “verdades interiores” com o mundo. Assim você não precisa se cobrar ou se por em amarras, entrando em um senso de liberdade e leveza comum às crianças: você produz sem vergonhas, sem questionamentos, só pelo prazer de estar fazendo aquilo. É uma experiência muito recompensadora e que deve ser repetida com uma frequência justa ao seu tempo e atividades.

Por fim, a arte como estudo talvez seja a base de todas essas outras personas descritas. Estudar o que você faz é uma forma de aprimorar tudo o que você já sabe e sempre se oferecer uma chance de crescer, como artista e profissional. O estudo é uma medida ao desafio, pois ele amplia nossa visão de mundo, nos revela saídas, percepções e estruturas novas e/ou inesperadas. Faz com que nunca estejamos “concluídos” – pelo contrário, utilizar a “cadeira do estudante” é um exercício de humildade e um seguro estimulante para se querer produzir sempre.

Então, caro artista, cuide de sua carreira, mas não esqueça de ter prazer pelo que você faz e aprender sempre.

Texto de Luís Carlos Sousa

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Organizar é preciso!

outubro 17, 2018


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Existe uma grande opinião – muitas vezes reforçada por filmes e livros – de que para criar arte é preciso ser naturalmente “desorganizado”, pois essa seria uma forma de se estar em contato com seu lado mais “subjetivo”, mais “expressivo”. Assim, lidar com tabelas, regras, horários programados, prazos seria como “matar” a liberdade de pensamento artístico. Apesar de ser muito sedutor colocar as coisas dessa forma, para muitos produtores – e uma parcela considerável do mercado – não é muito vantajoso trabalhar nessas condições.

Esperando desmistificar o pensamento “opressor” da organização, acreditamos que montar uma disciplina de horário contribui não somente para a produção em si, mas para o encaixe dela com outros elementos, como família, amigos, atividades físicas, e nos permite uma visão mais elaborada apontando para os objetivos que desejamos alcançar.

É importante considerar que a organização e a disciplina não são “prisões” do ego artístico, mas “ferramentas” de melhor direcionamento e aprimoramento deste. Além disso, mais do que subjetividade ou expressivismo, acreditamos que o maior motor de um artista é sua paixão pela produção e, para isso, não existem amarras reais ou mentais suficientes.

Então, monte seu horário e comece a produzir!

Baseado no livro A Mágica da Arrumação, o perfil Ilustradamente resumiu as ideias trazidas por Marie Kondo sobre a arrumação e o impacto dela em nossa vida. Vale a conferida.

Publicado por Daniel Brandão

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