Um Papo Sobre Editais

novembro 05, 2019


A palavra “edital” costuma ser vista, principalmente pela comunidade artística, como um símbolo de ansiedade e um verdadeiro entrave para a produção de arte em si. Minha intenção neste breve texto é tentar desmistificar isso (em 3 simples razões), trazendo uma visão mais social e política da importância dos editais e convidando os artistas que seguem essa newsletter (e mesmo outros além) a superarem um pouco a fobia de burocracia e apresentarem seus projetos às Secretarias e Instituições que os oferecem.

1. O dinheiro do edital é nosso: ao pagarmos impostos, o governo pega o montante recebido e reverte à sociedade em forma de segurança, saúde, educação, infraestrutura, mobilidade e… cultura! Dessa forma, o edital se torna um instrumento de convite à sociedade para se utilizar desses valores. Por vezes, eles abrem vagas em serviços (como os editais para cargos públicos) e em outros, principalmente ligados às artes, eles abrem para projetos – pois há uma compreensão (não irreal) de que a arte é contextualizada e focada no multiculturalismo geográfico (pense em quantos bairros há em Fortaleza, na quantidade diversa de vozes e culturas formando esse município, isso se multiplica quando pensamos em unidades da federação ou mesmo em nossa região) – assim, produtores culturais apresentam projetos que reforcem a identidade de suas comunidades e sirvam às mesmas, alimentando a cena de arte e tornando conhecidos quem são essas personas e como elas lidam com as mídias características de suas geografias e grupos;

2. A burocracia é bem menor do que se imagina: com o advento da lei da desburocratização, os complicados métodos para se entrar em um edital reduziram consideravelmente. Um exemplo em especial é o caso da Secult-CE, em que (quase) todo o processo é feito virtualmente antes, durante e depois. Além disso, a equipe envolvida costuma ser tão engajada com a cultura quanto os proponentes e entendem as complicações do cenário de arte em suas localidades. Caso a burocracia ainda seja um problema, hoje em dia existem muitas pessoas que trabalham como agentes culturais e cuidam de toda a papelada, além de instruírem bem quem quer se dedicar a um projeto.

3. Fazer arte é resistência: é inegável os tempos sombrios e incertos que vivemos. Criar arte em momentos assim é um ato de resistência, porque a arte impacta, cativa, “historifica”, marca e multiplica. Arte nos une e nos faz reconhecer, inspira e motiva. Assim, se utilizar de instrumentos que servem ao desenvolvimento, disseminação e aproximação da arte para com a sociedade deve ser feito, motivado e, principalmente, utilizado como voz para muitos.

Porque, no fim das contas a arte pode ser isso: um diapasão dos sentimentos e sensações de sua sociedade.

Texto de Luís Carlos Sousa.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

A Penosa Disputa

outubro 30, 2019


Os irmãos são cobertos pela nuvem de pó de magnésio, dando um ar idílico e mágico em torno deles. Os dois saltam nas barras, rodopiam no vazio, agarram-se e giram nas cordas, arremessando a si mesmos no ar. Pirueta e pouso. Ambos são aplaudidos, mas somente um se sente feliz pelo feito. O outro, por sua vez, percebe seus erros, revolta-se pelo acerto do irmão e não consegue ouvir os aplausos para si. A simples felicidade de seu fraterno oponente lhe é símbolo de derrota pessoal, imprecisão, incapacidade e falta de talento. Eles treinaram toda a vida juntos, tiveram as mesmas dietas, as mesmas rotinas, mas, por alguma razão, o primeiro irmão é melhor que o segundo – numa ordem construída pela frustração – e este, cada vez que percebe isso, se cobra mais, se exige mais, vai além dos próprios limites e só consegue perceber suas falhas. Para ele, o esporte deixou de ser um prazer para se tornar uma disputa, um esforço, um martírio.

Nós vivemos em disputas. Somos treinados a nos espelhar e compararmos uns com os outros, atentando para a vitória alheia como um conjunto de regras de um caminho bem pavimentado que refletem um “sucesso”, um “troféu”, não uma jornada. Quando não atingimos semelhantes objetivos, nossa frustração define culpados, cria demônios e nos coloca numa estrada com metas inatingíveis e fugazes.

No entanto, parece injusto nos impor exigências baseadas em outros. Nossas vidas e histórias são únicas, nossos tempos – aqueles além dos ponteiros e das medições matemáticas – seguem em seus próprios termos, falando através das “vozes” do corpo quando sentimos necessidade ou prazer por algo. Tomar a atenção para aquilo que o outro faz ou para o ponto que atinge é tapar os ouvidos pra si próprio, não ouvindo o que se precisa para se sentir bem e/ou como chegar a isso.

Há grandes disputas nas artes. Num perigoso e cruel jogo de vencedores e perdedores. Mas a arte não reconhece disputas. Ela não é uma arena de objetivos, mas uma escola de autoconhecimento. Ela não tem necessidades pois a arte é, assim como são todas as coisas naturais, tal qual as árvores de uma floresta ou os peixes de um rio: funcionando de suas próprias formas e nos seus próprios tempos para dar integridade a todo o sistema.

Aos que criam disputas, vendo-se correndo na direção dos “grandes” que inspiram: deem um tempo para si e olhem para suas próprias jornadas. Reconheçam e amem seus aprendizados. Sejam gratxs a eles. E se aceitem. Acima de todas as prerrogativas e “troféus”, todos somos artistas, pois todos temos a oportunidade de perceber e descobrir o melhor em nós mesmos.

Texto de Luís Carlos Sousa.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

O Humor como Melhor Remédio

outubro 23, 2019


Quando da primeira vez que tive de criar uma piada para o Capitão Rapadura – em uma tirinha com os desenhos do impressionante Cristiano Lopes – lembro de ficar em pânico por não saber ao certo como me utilizar do humor.

Eu, sempre fã de histórias de aventura e ação, em que o humor heroico da personagem protagonista estava dentro de um contexto que havia sido construído em páginas/cenas posteriores ou era um desdém à figura vilânica antagônica, me vi incerto sobre como inserir tudo isso (ou não) nos até três quadros de tiras.

Como não poderia deixar de ser, corri à pesquisa dos “mestres” do humor: Charles Chaplin, Chico Anysio, Chuck Jones, Laerte… e pude ver que o humor tinha mais faces e formas de leitura que eu sequer imaginava, bem como, ao mesmo tempo que ele era poderoso e transformador, também podia ser cruel e opressor e ambas as manifestações eram discretas e poderosas.

Ainda seguindo em minhas pesquisas, encontrei uma frase do ácido e irônico Barão de Itararé acerca do senso de humor “… é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse a você”. Lida com descuidado, a sentença dá suporte ao humorista da injustiça: aquele que ao ver a situação difícil e desesperadora do outro cria uma “piada” que faz pouco caso, moldando um riso fácil e tirano àqueles que vivem em privilégios sobre a ridicularização dos desfavorecidos. Algo que, com certeza, não cabia ao bom Capitão, combatente contra preconceitos e herói do povo.

Temi que, de alguma forma, eu pudesse – consciente ou não – me utilizar desse artifício e procurei por um outro tipo de humor, mais acolhedor e/ou inteligente, e que fizesse as pessoas pensarem. Nesse instante conheci um outro tipo de humorista, o engajado, aquele que usa o riso para denunciar situações de injustiça e opressão – como o próprio Rapadura fez em seu começo de carreira e quando Henfil dava vida a Graúna. Aqui, um humorista inquieto de pensamento rápido e frases precisas – talvez um objetivo a alcançar e que servia com maestria ao Rapadura, mas que à época ainda distante da minha qualidade de escritor.

Então, de forma leve e despretensiosa, reconheci um outro tipo de humorista, aquele que senta à mesa com você, retirando do dia a dia a piada que alivia a rotina, mostrando que as coisas pequenas não devem se tornar torturantes pedras que vão pesando ao coração, mas devem ser fragmentadas com uma simplicidade tão pueril quanto infantil.

Vesti então o chapéu do humorista do cotidiano, cujo maior objetivo, acredito, é lembrar a criança que vive em cada um de nós e, com isso, reiterar o significado (forte e cômico) daquilo que chamamos de presente.

Texto de Luís Carlos Sousa.

Publicado por Daniel Brandão

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As histórias em nós

maio 29, 2019


Todos temos histórias em nós. O ser humano já nasce com a capacidade de encontrar histórias dentro e fora de si. A criança está pronta para contar como foi seu dia à mãe e ao pai que chegam tarde da noite em casa. Ela cambaleia, gesticula, gagueja, mas, ao fim, tem uma história em mãos, que pode entreter ou não seus espectadores. Escrever essa história, no entanto, mesmo aos adultos, é a grande complicação.

Quando se “conta” algo de forma falada, milhares de “ferramentas” contribuem para que aquela história chegue a um fim compreensível: o locutor gesticula, faz caretas, muda seu tom de voz, utiliza objetos ou pessoas próximas para interpretar metáforas. Os ouvintes, por sua vez, também contribuem para essa narrativa fazendo perguntas, melhorando comparações, dando o feedback imediato com sorrisos ou apatia, permitindo a mudança da maneira como aquilo está sendo contado no momento em que estão ouvindo. Claro, isso ainda não faz da atividade completamente fácil, mas a torna mais dinâmica, menos complicada e mais interativa, e assim, mais próxima de atingir seus objetivos.

O escritor, por sua vez, não possui tantas vantagens. Ele é o solitário cavaleiro tentando destruir moinhos de vento, procurando dar um direcionamento claro há milhões de vozes que o engrandecem e o atormentam mentalmente e rasgam com avidez as paredes de sua cabeça para enfim tomarem forma, tendo, dessa maneira, uma existência. A gestação desesperada de uma ideia começa antes do processo de escrita, mas é durante ele que se sente os enjoos e desajustes gerados por sua formação.

Um bom escritor vai tentar diminuir as dificuldades. Vai fazer pesquisas, ler outros livros, consumir diferentes mídias, vai conhecer pessoas novas e diferentes para compor seus personagens (dar caras a suas vozes), vai procurar se ver no outro e pensar como o outro para, finalmente, encontrar o seu próprio universo na estrutura física das palavras, ossos dos músculos de metáforas, pele e pelos das ideias. Mas isso não será o suficiente.

Outros entrarão nessa jornada: leitores-teste, amigos, revisores, diagramadores, editores. Todos trarão suas próprias ideias, seus próprios esclarecimentos e experiências para enriquecer aquela história, todos mostrarão as consequências do que é dito e não dito, serão aliados, mas também importantes antagonistas quando necessário, tudo para fazer aquela história ser melhor e maior. Mas isso também não será o suficiente.

Porque, no final das contas o que resta é o escritor e a brancura que receberá suas palavras, seja ela o papel ou a tela. Aquele vazio que precede o alfa.

Quando, então, as primeiras palavras começarem a ocupar aquele vácuo, a magia finalmente vai acontecer: presenças e vazios vão dando forma a uma nova vida que, por sua vez, vai se revelando de maneira consistente a cada virar de páginas e, assim, como a criança que conta uma história, ela cambaleia e treme, erra, mas logo é corrigida, refeita e melhorada. O processo se alonga, o escritor sua e chora, tomado pela efusividade de sentimentos daquela existência, mas chega ao seu fim e a história é liberta, deixando de ser parte do escritor e se tornando uma peça no imaginário social, o qual será inserido na mente do leitor em um detalhe específico e de uma forma única.

Uma vez essa “sarna” tendo encontrado seu rumo, é hora do escritor procurar outra e repetir todo o processo, porque escrever não é algo limitado, mas é um incômodo constante a ser entregue regularmente ao universo.

Publicado por Daniel Brandão

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A Desconstrução do Ser Artístico

março 20, 2019


O princípio do desenho na nossa infância começa como uma espécie de reconhecimento do nosso mundo e de tudo que nos rodeia.

A medida que a gente vai crescendo, começamos a aprender todas as noções críticas que o mundo ao redor impõe. Com com elas, somos podados e moldados para uma cobrança a respeito do que é tido como “desenhar bem”. Gera-se uma necessidade de fazer algo que se assimila mais ao real, que tem relevância atribuída à ordem da mimese.

Eu sinto que depois de certo ponto da vida sempre tentando retratar tudo com fidelidade nos desenhos, minha produção acabou caindo pra certos vícios. Alguns padrões eram fortemente mantidos na grande maioria dos meus trabalhos, padrões que mais me limitavam do que motivavam, o que acabou me desestimulando e gerando fases longas de bloqueio criativo.

Foi a partir desse ponto que eu precisei achar um meio de explorar possibilidades que até então eu evitava ao extremo, por acreditar que “não combinava com o que eu fazia”. Foi um processo de desconstrução do que eu produzia até então, e a partir daí eu comecei a procurar cada vez mais pelos extremos opostos. O que eu fazia era tentar entender artistas que produziam trabalhos lindos, mas que eram completamente diferentes do que eu costumava fazer. Experimentavam cores, anatomias e composições que eu achava exageradas ou ousadas demais pro que eu costumava fazer, mas que ficavam extremamente interessantes nos trabalhos deles. Acho que dentro dessa exploração, ao sair da zona de vícios, eu acabei encontrando uma forma de agregar mais pluralidade ao meu traço.

Eu não fiz uma transição completa, até porque a gente sempre vai estar em transição. Entretanto, entendendo esses artistas tão diferentes de mim, eu consegui agregar detalhes, composições e ideias que, unidas a bagagem que eu já havia criado, puderam imprimir uma identidade no traço que ainda parecia comigo, mas diferente de tudo que eu já tinha feito.

Eu percebi aí a importância de aprender a se reconhecer e reinventar, e entendi que mudanças, por mais que estranhadas ao início, são necessárias para continuar evoluindo.

Texto de Camila Sombra

Publicado por Daniel Brandão

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